domingo, 20 de março de 2016

ESPORTE INTERATIVO X REDE GLOBO.

Esporte Interativo fez a Globo elevar suas ofertas, diz fundador da emissora

  Adrian
GUILHERME SETO
DE SÃO PAULO

A temporada do futebol ganhou um protagonista improvável. Aos 47 anos, Edgar Diniz, economista com carreira em bancos como Salomon Brothers e JPMorgan Chase, não tem pinta de boleiro.
No entanto, a empresa que que ele fundou em 1999 tem feito um barulho incomum no futebol nacional, comparável ao de uma jovem revelação esportiva.
Após surpreender o mercado com aquisição dos direitos de transmissão da Liga dos Campeões em 2015, o Esporte Interativo entrou na disputa pelos direitos de TV fechada do Brasileiro a partir de 2019.
Para quem duvidava do potencial de concorrer com o Grupo Globo, ela já fechou contrato com SantosInterAtlético-PR, Coritiba, Bahia, entre outros.
Em entrevista à Folha, o vice-presidente de conteúdo esportivo do canal comenta as barreiras à atuação de uma jovem empresa no mercado brasileiro e descreve as dificuldades nas disputas com a Globo.
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Folha - Como funciona a relação com o grupo Turner? Qual o tamanho do aporte financeiro?
Edgar Diniz - Hoje, o Esporte Interativo é 100% parte do grupo Turner. A aquisição total aconteceu em fevereiro do ano passado. Não tem a definição de um aporte de dinheiro ao Esporte Interativo. Eles compraram a empresa, e nós elaboramos um plano de negócios, com uma previsão de orçamento. Ele também varia de acordo com as oportunidades. Por exemplo, a disputa pelos direitos de TV fechada do Brasileiro a partir de 2019, que não estava prevista inicialmente, mas que foi analisada e vista como uma possibilidade interessante de negociação.

Quanto a crise interna brasileira e a consequente valorização do dólar ajudam a atuação de vocês no Brasil e a disputa por direitos de transmissão?
Há dois lados. Por um deles, a valorização do dólar pode favorecer do ponto de vista dos investimentos. Por outro, há uma crise no Brasil que faria qualquer interessado em investir ficar mais conservador. A Turner tem um compromisso histórico com o país. Ela está há mais de 20 anos aqui, é líder no segmento de TV paga, à frente nos canais infantis e de filmes e séries, e agora complementa seu portfolio com esportes. A variação cambial tem efeito neutro nos investimentos de longo prazo da Turner, então.

Em entrevista à Folha no passado sobre as dificuldades de entrada do Esporte Interativo nas principais operadoras de TV por assinatura, o senhor falava em 'interferências indevidas no mercado'. Recentemente, a emissora tem exaltado o ideal da livre concorrência em comunicados. Quais são os entraves à livre concorrência no mercado brasileiro?
A gente defende os princípios da livre concorrência independentemente de nos prejudicarem ou beneficiarem em algum momento. Quem fizer o melhor trabalho, vence. É um princípio que favorece todos os 'players' do mercado, especialmente o consumidor final.
Entrando especificamente na questão do futebol, é muito importante que os direitos de transmissão dos clubes sejam negociados em janelas, como foi determinado pelo Cade em 2010. Antes disso, você tinha uma situação onde um grupo como o Globo tinha vantagem competitiva indevida se ele conseguisse fazer com que a comercialização fosse conjunta –a chamada "venda casada" de todos os direitos. Quando o Cade determinou que essas mídias fossem separadas, ele abriu espaço para que surgissem outros players disputando os diferentes direitos de transmissão em TV aberta, fechada, etc.. Isso beneficia os clubes, que poderão escolher a oferta que acharem melhor; e os torcedores, que poderão decidir entre diferentes ofertas de transmissão.
Dois exemplos de onde a livre concorrência funciona são os Estados Unidos e o Reino Unido. Não por acaso, são os mercados mais desenvolvidos. Veja o sucesso da NFL: CBS, Fox, ESPN, várias empresas têm os direitos de transmissão. NBA: TNT, ESPN. Sempre tem mais de um canal. Quem transmite a Premier League? A Sky e a BT. Isso assegura que os clubes vão obter o valor de mercado por seus direitos.
Outra vantagem é que os clubes conseguem ter direitos super razoáveis respeitados. Por exemplo, podem ter suas arenas chamadas por seus nomes, ou seja, não ter ninguém arbitrariamente rebatizando as arenas por um outro nome por não ter contrato com quem adquiriu os naming rights do estádio. No mercado americano, todas as emissoras chamam as arenas por seus nomes oficiais, independentemente de acordos comerciais. Isso é um pensamento antigo, que a Globo certamente vai reavaliar. A concorrência faz com que isso aconteça.

Quais as dificuldades que vocês têm para entrar em uma operadora? Vocês conseguiram depois de muito tempo negociar a entrada na Net, mas ainda estão fora da Sky.
Tivemos dificuldades, mas elas ficaram no passado. Acho que resolvemos do ponto de vista da distribuição do Esporte Interativo.
Como pessoa física, como cidadão do Brasil, não fico plenamente satisfeito. Não fico feliz em saber que as mesmas barreiras que atrapalharam a entrada do Esporte Interativo na TV paga podem barrar outros canais que queiram entrar nas operadoras no futuro.

Que barreiras são essas?
Realmente prefiro não entrar especificamente. Todos sabem quais são. Quando Bandsports e Fox Sports entraram no mercado, sofreram essas dificuldades também. São as mesmas. Basta resgatar.

Agora vocês concorrem com o Grupo Globo em diferentes frentes. Primeiramente, como canal de TV por assinatura, com o SporTV. Em outro aspecto, competem pelos direitos de transmissão dos clubes. Como disputar com um grupo historicamente tão enraizado no país?
Em primeiro lugar, a Globo faz um trabalho extraordinário há muito tempo na área de esportes. Mas acreditamos que há espaço para mais de um 'player'. A concorrência existe em qualquer mercado mais desenvolvido. Não queremos desafiá-los, mas construir nosso próprio espaço. Ficamos muito felizes com a reação que recebemos dos torcedores nesse processo. Por conta de ser um player só há muito tempo, gera essa tensão toda na mídia. Acho que para o bem do futuro, essa disputa vai se tornar muito natural no futuro, com a possibilidade de entrada de ainda mais players na concorrência por direitos, forçando todos a serem mais competentes. Podem entrar Fox, Espn, e isso é mais saudável para o mercado.
Outro ponto é a qualificação do futebol brasileiro. Todos sabem que o nosso futebol tem perdido espaço para o europeu. Perdemos nossos principais jogadores para eles, e agora mesmo jogadores intermediários deixam o país. Para trazermos esses jogadores ou talvez até as grandes estrelas de volta, precisamos fortalecer o futebol nacional. E os pilares do fortalecimento são: profissionalização da gestão dos clubes; a concorrência pelos direitos de transmissão, já que eles são a maior fonte de receita dos clubes; e uma cooperação entre grupos de mídia detentores de direitos com os clubes.
Com a combinação desses três fatores, os clubes conseguirão encontrar fontes de receitas que permitirão que eles dependam menos dos direitos de transmissão. Por exemplo, negociamos com Palmeiras, Grêmio e Atlético-PR, clubes que têm arenas super modernas. Eles podem gerar receita com naming rights, por exemplo, quando o nome das arenas são falados em transmissão. Além disso, como o Esporte Interativo pode ajudar? Estamos conversando sobre ceder o sinal da nossa transmissão para que os sócios-torcedores possam ver o replay dos lances nos smartphones, para que assistam ao pré-jogo e ao pós-jogo nessas plataformas.
Isso valorizaria ainda mais os programas de sócios-torcedores como o Avanti, do Palmeiras, por exemplo, deixando os clubes com mais receitas e menos dependentes da televisão.
No longo prazo, dessa forma, os direitos de transmissão vão custar mais caro, obviamente. Mas do ponto de vista do Esporte Interativo, é melhor pagarmos mais caro e ajudar o esporte a se desenvolver do que fazermos o futebol brasileiro nosso refém. É o que diferencia nosso projeto do que vem acontecendo nos últimos 20 anos, quando a dependência exagerada dos clubes da Globo fez com que eles esperassem adiantamentos e não buscassem novas linhas de receita. A gente acredita que há uma oportunidade de tirar o atraso dos últimos 20 anos caso clubes e grupos de mídia pensem no sentido de melhorar o futebol brasileiro.

Os clubes receberam uma oferta conjunta de R$ 1,1 bilhão da Globo pelos direitos de transmissão de TV aberta e TV fechada. Você acha que a oferta do Esporte Interativo só pela TV fechada fará com que essa proposta saia da mesa?
Li uma entrevista de diretor do Grupo Globo [Pedro Garcia, ao blog do Rodrigo Mattos, no UOL, empresa do Grupo Folha], na qual ele fala que serão respeitadas as determinações do Cade, então acredito que nenhuma oferta do tipo será feita.
Gostaria de frisar, no entanto, os efeitos da entrada do Esporte Interativo na disputa pelos direitos de transmissão. Antes de fazermos nossa oferta, a Globo fechou com alguns clubes um contrato em que ela reduzia o valor do contrato vigente em 25% em troca de um empréstimo. Com isso, ainda renovava os direitos por mais dois anos. Um ambiente sem concorrência leva a isso.
Quando a gente entrou e fez uma oferta, a Globo voltou e refez a proposta dela, e foi aí que surgiu a proposta à qual você se refere, de R$ 1,1 bilhão, sendo R$ 1 bilhão para aberta e R$ 100 milhões para fechada. Ou seja, ela deixou de propor a redução de 25% e transformou o empréstimo em luvas. A entrada do Esporte Interativo fez com que a Globo melhorasse em cerca de 40% o valor de sua oferta inicial.

Qual a maior dificuldade encontrada na negociação com os clubes?
No início, tivemos dificuldade em encontrar quem tivesse a coragem de tomar a decisão de fazer uma coisa diferente do que vem sendo feito nos últimos 20 anos. Conseguimos romper essa barreira.
Vou fazer uma confidência, nesse ponto. Um dos clubes que não fechou com o EI nos disse o seguinte: "eu não tenho dúvidas de que a proposta de vocês é superior à última da Globo, mas não tenho coragem de tomar essa decisão". O que está embutido nessa falta de coragem? Difícil dizer.

Um argumento que surgiu ao longo das negociações foi o de que vocês não teriam estrutura técnica para fazer transmissões do mesmo nível que as atuais da SporTV. O que o senhor pode dizer?
Esses foram argumentos que foram criados pela própria Globo para tentarem convencer os clubes [a não fecharem com o EI] e que bastaram cinco minutos de conversa com os clubes, mostrando a qualidade das nossas transmissões internacionais e da Copa do Nordeste, para resolver. Aliás, vou desmistificar um ponto: contratamos as mesmas produtoras que o SporTV para fazer nossos jogos. Essa tentativa de criar um mito em torno da qualidade de produção só tem fundo comercial.

Também surgiu o argumento de que os patrocinadores dos clubes estariam mais interessados que eles fechassem com o Grupo Globo, já que se trata de um espaço de exibição já consolidado.
Acho que houve uma confusão que já foi desfeita, creio. O grande espaço de exibição dos clubes é na TV aberta, na Globo. Uma vez que entenderam que estamos falando só de TV fechada, os clubes ficaram absolutamente tranquilos. Além disso, nossas recentes audiências da Liga dos Campeões, com liderança de audiência entre todos os canais de TV por assinatura, mostram que a visibilidade seria mantida.

Entre pessoas nas redes sociais e críticos de TV, há reclamações quanto ao estilo das transmissões do EI, apontando certo exagero e gritaria. Como o senhor vê isso?
Temos críticas de críticos de TV, mas temos pessoas apaixonadas por nossas transmissões. Nós fazemos de coração. O EI nasceu da paixão de pessoas por esporte e porque queriam trabalhar com isso pelo resto da vida. As transmissões refletem o nível de paixão das pessoas que participam do projeto. Se às vezes a gente exagera, o torcedor também exagera. Não temos vergonha de sermos torcedores. Não no sentido de torcer por um time, mas de dividir a emoção e a paixão daquele momento.
Cito um momento em que sofremos críticas. Nossa repórter, Monique Danello, estava cobrindo as quartas de final do mundial feminino de handebol. Quando ficou claro que o Brasil ia conseguir a classificação inédita para a semifinal, ela apareceu na TV aos prantos. Há duas maneiras de ver isso: uma crítica pela falta de profissionalismo; e outra de que aquilo é a emoção do esporte. A gente deixa a repórter demonstrar sua emoção verdadeira.

De acordo com a Lei Pelé, uma emissora só pode transmitir uma partida de que tenha os direitos de transmissão de ambos os clubes. A partir de 2019, desenha-se um cenário no qual a clubes fechados com a SporTV enfrentarão clubes que assinaram com o EI. Esses jogos ficarão fora da TV fechada ou o senhor vê a possibilidade de um acordo entre as emissoras?
Hoje, só dois jogos por rodada são transmitidos na TV fechada. E isso não vai mudar. O número não será reduzido, em hipótese alguma. A maioria dos jogos já passa no pay-per-view, e continuará assim. Por rodada, continuaremos com três jogos na TV aberta, a maioria no pay-per-view e no mínimo dois na TV fechada. Portanto, não precisaremos de nenhum acordo entre emissoras.

ESPN e Fox Sports também têm multinacionais fortes por trás de suas empreitadas. Na sua visão, por que elas ainda não entraram nessa disputa?
Nós temos uma história no futebol brasileiro, criamos a Liga do Nordeste, e depois a Copa Verde... Acho que eles ficaram mais concentrados em produtos internacionais. Acredito que as emissoras davam de barato a chance de disputar esses direitos, algo como "não interessa a oferta, não vamos conseguir levar". Acredito que isso vai mudar daqui em diante.

OUTRO LADO
Procurado pela reportagem, o Grupo Globo respondeu que não vai comentar as avaliações de Edgar Diniz sobre a concorrência pelos direitos de transmissão do Brasileiro a partir de 2019.
Até o momento, o São Paulo foi o único clube que anunciou publicamente ter fechado contrato com a Globo, mas Cruzeiro, Grêmio, Botafogo e Fluminense estão com negociações encaminhadas com a emissora. O Corinthians assinou contrato com a Globo em novembro de 2015.
Do lado do Esporte Interativo estão Atlético-PR, Bahia, Coritiba, Internacional, Santos, Santa Cruz, Ceará, Figueirense e Ponte Preta, com contratos assinados.
A disputa deve seguir até 2018, prazo final para definição dos acordos. 






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