Ao remexer no meu baú de correspondente internacional, encontrei esta
entrevista que fiz com Michel Platini. É o famoso entrar na máquina do tempo
para encontrar o antigo e o atual.
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Jogador adorado pelos torcedores, ex-treinador da Seleção Francesa e atleta
mitificado, Michel Platini, 39 anos, atual co-presidente do Comitê de
Organização da Copa do Mundo de 1998, que se realizará na França, ama o futebol
e acompanha todos os seus movimentos. Casado, dois filhos, bastante apegado à
família, ele se deslumbra com a revolução de Cruyff no Barcelona, estuda a
evolução dos esquemas táticos e trabalha para que o último mundial do século XX
seja um sucesso. Cordial e bem-humorado, Michel Platini concedeu entrevista
exclusiva em seu sofisticado gabinete na Federação Francesa de Futebol, na
avenida des Champs-Elysées, em Paris, considerada a mais cara e bela do planeta.
Em uma conversa franca, o ídolo do esporte francês fez uma radiografia dos
grandes clubes da atualidade, Barcelona e Milan, analisou a Seleção Brasileira,
favorita, em seu entender, para ficar com o título nos Estados Unidos, revelou a
sua preferência pelo futebol-espetáculo e explicou as atividades que desempenha
no momento.
– Às vésperas de uma Copa do Mundo é importante fazer um balanço dos
estilos de jogo e das equipes, bases das seleções, em evidência. Quais são os
melhores times do mundo na atualidade?
Michel Platini – São Paulo, campeão intercontinental, é o
melhor clube do planeta. Na Europa, Barcelona e Milan são os maiores destaques.
Duas equipes com esquemas e maneiras de atuar totalmente diferentes. O Milan
utiliza o 4-4-2, como quase todas as formações europeias, em nome da competição.
O Barcelona representa o futuro. Cruyff colocou em cena um estilo novo, ofensivo
e arrojado, com dois laterais polivalentes e um central. Em casa, o Barcelona
evolui do 3-4-3 ao 3-5-2, passando pelo 3-2-5. Fora, Cruyff torna-se mais
cauteloso. A verdade é que fixos no ataque são três, mas os meias e os laterais,
polivalentes, avançam com enorme frequência para sufocar o adversário.
– Como o senhor descreveria o esquema do Barcelona na
prática?
Michel Platini – Cruyff utiliza dois laterais e um líbero.
Os valores individuais são importantes para o conjunto. Koeman, Nadal,
Guardiola, Bakero, Stoichkov, Amor e Romário sustentam o estilo idealizado pelo
treinador. Atrás, dois homens cumprem a função mais definida de marcação.
Existem pelo menos quatro homens para articulação de jogadas com o ataque.
– E o Milan?
Michel Platini – Tudo é muito simples quando se trata do
Milan. Para o Barcelona, inovador, o que é importa é o ritmo e a fluência. Já o
Milan apoia-se sobre a tradição. Barcelona aposta tudo na opção ofensiva, o que
é excelente para o espetáculo, enquanto o Milan procura os resultados acima de
tudo. A escolha do Barcelona é perigosa, porém, sejamos claros, quando não se
ganha é sempre perigoso. Vencer é a lei. Caso o Barcelona conquiste, por
exemplo, a Copa da Europa, a ousadia estará justificada.
– O senhor se sente mais próximo do estilo de Cruyff ou de Capello,
do Milan?
Michel Platini – Eu fui treinador durante cinco anos e
aprendi que a capacidade de um técnico consiste em encontrar um esquema certo
para os jogadores de que dispõe. Se eu tivesse dois bons laterais, eu os
colocaria em campo. Em contrário, procuraria uma alternativa mais adequada. Há,
entretanto, um detalhe: ousar é fundamental. Temos de necessidade de uma aliança
entre a vitória e o espetáculo. Cruyff significa o futebol de amanhã, pois, se
ganhar, provará que a beleza não é sinônimo de maus resultados. Capello pensa
primeiro na vitória e depois no espetáculo. Cruyff, ao contrário, projeta o
espetáculo para a vitória. Atenção: para optar pelo espetáculo há que se ter o
material humano indicado. Sem grandes talentos, resta a prudência. Cruyff, não
se perde nada em salientar, tornou-se popular por investir na ofensividade. Eis
uma qualidade inegável.
– Cruyff é um revolucionário, um sonhador e um homem diferente com um
estilo na cabeça para o qual busca dos jogadores certos? As ideias de Cruyff são
semelhantes às do treinador Platini?
Michel Platini – Sim. Insisto, porém, na diferença: nem
Cruyff, nem Platini e nem Capello tiveram os mesmos jogadores à disposição. Não
se trabalha da mesma maneira com homens diferentes. Quem tem Romário atua de um
jeito; quem tem Müller, de outro. Cruyff, um defensor do esquema ofensivo,
escolheu aqueles que poderia corresponder ao seu projeto. Repito: nada há ver
com o 4-4-2 tradicional de Capello. No futuro, a tendência será passar do modelo
Milan ao padrão Barcelona. Ver o Barça jogar é extraordinário. Que elegância!
Que classe! Que toca de bola! Nada como contar com jogadores polivalentes. Não
são cinco atacantes de ofício, como dizem alguns comentaristas, mas três
auxiliados por meias extremamente ofensivos. Amor, Guardiola, Koeman, Bakero,
enfim, todos sabem atacar.
– O senhor tem acentuado a importância dos jogadores: Capello, com os
atletas do Barcelona, faria o mesmo que Cruyff?
Michel Platini – Não sei. Acho difícil traçar o paralelo. É
certo que atuam com esquemas antagônicos. Resta, contudo, a relevância do
material humano disponível. Cruyff tem Stoichkov. Capello, não.
– Quais são os melhores jogadores do Barcelona e do
Milan?
Michel Platini – Baresi, indiscutivelmente, é o melhor do
Milan. Koeman, no Barcelona, é importante. Bakero e Guardiola, também. Romário e
Stoichkov pertencem a outra categoria: têm mais classe. Eles são completos.
– Como presidente de um clube, o senhor escolheria Cruyff ou Capello
como treinador?
Michel Platini – Eu ficaria com Cruyff em razão de sua
mentalidade favorável ao espetáculo. Estou convencido de que o futebol não
existe sem o público e sem a beleza. É a história que dá o peso de um clube. O
PSG, por exemplo, ainda precisa de algum tempo para as grandes conquistas, pois
é jovem. Algumas pessoas acusam de Artur Jorge de temer o espetáculo, desejo de
garantir resultados. As individualidades contam, volto a Cruyff, mas há muito
mais: o espetáculo custo muito caro. Com dinheiro, eu trabalharia pelo
espetáculo e o sucesso. Cruyff, é verdade, parte do sistema para os jogadores.
Eu, do meu jeito, pegaria os maiores talentos e depois definiria o sistema.
– Um sistema que, em todo caso, seria ofensivo como o de
Cruyff?
Michel Platini – Cruyff fez uma declaração fantástica.
Segundo ele, no futebol atual os atacantes são obrigados a correr mais do que os
defensores. Por vezes, um atacante precisa cobrir 50 a 60 metros para marcar. E
Cruyff prefere que sejam os defensores, donos de condições físicas especiais, a
correr mais, deixando aos dotados de qualidades técnicas excepcionais as tarefas
mais específicas da criação.
– Como o senhor vê a Seleção Brasileira de Carlos Alberto
Parreira?
Michel Platini – Muito bem. Uma bela equipe. Favorita a
ganhar a Copa do Mundo dos Estados Unidos ao lado da Alemanha, da Itália e da
Argentina. Estes são sempre os favoritos. Basta o que esses quatro países já
ganharam. A Argentina dependerá ainda da situação de Maradona. O Brasil conta
com jogadores completos, brilhantes e em grande fase.
– O senhor utilizaria Mauro Silva e Dunga na mesma
equipe?
Michel Platini – Não sei. Pode-se, porém, usar dois líberos
sem cair no defensivismo. Basta que eles sejam polivalentes. Um dos segredos do
Barcelona é justamente a pluralidade. Cada jogador sabe fazer muitas coisas.
– Parece-lhe o caso de Dunga e Mauro Silva?
Michel Platini – Não sei. Seria necessário um acompanhamento
maior do futebol desses atletas para uma avaliação.
– Se o senhor fosse Carlos Alberto Parreira, com os jogadores que ele
pode escolher, qual seria a sua opção: espetáculo ou resultado?
Michel Platini – Cruyff tem jogadores para o espetáculo e os
títulos. O Brasil também. O problema brasileiro é a oferta: como escolher entre
tantos nomes brilhantes? Nunca me surpreendo ao saber que há discordância entre
o técnico e os torcedores, pois cabe a este selecionar apenas 11 atletas. Ora, a
disponibilidade é tamanha que se torna impossível a unanimidade.
– Já que o se fala dessa grande oferta, o senhor chamaria Raí e não
Valdo?
Michel Platini – O futebol não é um esporte individual, mas
coletivo. Trata-se de um quebra-cabeça. A montagem correta das peças determina o
fim. Raí, em função do esquema do PSG, atravessa uma má-fase. Um treinador pode
ter excelentes jogadores que não se adaptem a um 4-4-2. Neste caso, cabe outra
solução. Raí é excelente, embora fora do seu estilo. No Brasil, ele é meio-campo
e beneficia-se dos passes curtos, do toque de bola e da evolução tramada. Em
Paris, não há nada disso: são lançamentos de 60 metros. E ele é lento. Só que
impossível esquecer as atuações dele no São Paulo, na Seleção Brasileira, da
qual é o capitão, e de tudo o que já mostrou. Para Romário, por exemplo, um
atacante, existem maiores facilidade de adaptação. Um meia deve organizar e
distribuir a bola. Tudo se complica.
– O projeto de João Havelange de aumentar para 32 o número de
seleções que participarão das copas do mundo a partir de 1998 foi elogiado pelo
senhor. Por quê? Não se trata apenas de uma artimanha de Havelange para
continuar no poder?
Michel Platini – Creio que sim. Trata-se de uma estratégia
de Havelange. Mas para a França será bom. Simbolicamente, na última Copa do
século, isso surtirá um maravilhoso efeito. Na prática, tudo se complica, pois o
número de partidas por dia aumenta, os gastos também e não é certo que o retorno
financeiro compense. O fato de ser a derradeira Copa do século XX pode ajudar.
Ficará a dúvida para as demais copas. Eu sou francês e tenho que me preocupar
com a organização do mundial de 1998. O importante é que os estádios lotem.
– Quais as suas tarefas no Comitê de Organização da Copa de 1998 na
atualidade?
Michel Platini – Tenho muito trabalho. Montamos uma equipe.
Nada pode escapar. Há que se pensar em instalações para imprensa (virão mais de
dez mil jornalistas, entre os quais uma boa quantidade de brasileiros), para as
delegações das seleções classificadas, em marketing, segurança, administração,
finanças, bilheteria, renovação e construção de estádios. Faremos em Saint-Denis
um grande estádio com capacidade para 80 mil pessoas. Temos 15 funcionários
agora. Chegaremos a 300.
– A Copa do Mundo dos Estados Unidos será um sucesso?
Michel Platini – Tudo correrá bem. Tudo acontecerá nos
estádios. Fora, não se respirará futebol. Os americanos não saíram, ao final,
convertidos. Isso demanda muito tempo. A paixão pelo futebol na França faz parte
de um percurso histórico longo.
– Até 1998, o senhor continuará na função ou existe a possibilidade
de retornar à direção técnica da equipe da França?
Michel Platini – Ficarei aqui. Não tenho saudade do cargo de
treinador, pois estou feliz aqui. Fui um jogador, treinador e agora presidente
do Comitê. Eu me divirto. Atuo também como comentarista. Os franceses amam
falar. Isso funciona. Nem o povo me convencerá a ser treinador da França. Depois
de 1998, pensarei no futuro. Ousar é fundamental. Eu me divirto, vou ficar por
aqui, pois estou feliz